domingo, 27 de dezembro de 2009

Queda do Muro de Berlim

Durante os primeiros anos da minha adolescência o Muro de Berlim simbolizou a separação de dois regimes político-económicos: o mundo capitalista, gerador de injustiças sociais graves, de que eu era um filho menor, sem casa e sem pão, vivendo num antro miserável; e o mundo socialista, que na minha ingenuidade simbolizava uma sociedade mais justa e mais solidária. Todas as notícias sobre a opressão, a falta de liberdade e a miséria que havia nos países socialistas para mim era propaganda consequente da Guerra Fria, não passando de uma mentira contínua do regime salazarista que manipulava a informação.
Quando em Agosto de 1968, ano de todas as utopias, a URSS invadiu a Checoslováquia começaram a surgir as minhas primeiras interrogações sobre a realidade política, social e económica do mundo socialista. Foi o começo do desmoronar de uma certa utopia comunista. Sem referências, novas utopias foram ressurgindo e novos desenganos políticos.
Sendo de uma geração que acreditava ser capaz de tornar as utopias realidade, que acreditava ser capaz de construir um mundo socialmente mais justo quando, em Novembro de 1989, o Muro de Berlim caiu era já um homem politicamente desencantado, pelo que me limitei a sorrir perante o ruir completo do ícone de um sonho que acalentara durante muitos anos! Tinha já a percepção que éramos governados por cínicos, incompetentes ou corruptos, apostados em tornar global uma sociedade da economia do vale tudo - um viveiro de sacanas, alguns bem barbeados e melhor engravatados – que iam construindo outros pequenos muros da nossa vergonha para defesa dos interesses das classes sociais mais poderosas.
Optimista incorrigível, penso que apesar de tudo a queda do Muro de Berlim resgatou-me a esperança que futuras gerações renovarão as utopias e serão capazes de derrubar o verdadeiro Muro da nossa Vergonha, esse muro das desigualdades sociais até agora inabalável que separa os poucos muito ricos da multidão dos muito pobres, muitos dos quais vão morrendo todos os dias à fome perante a nossa indiferença.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Natal com poesia

NATAL À BEIRA-RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

David Mourão-Ferreira

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Natal

FALAVAM-ME DE AMOR

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinha
se em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Natália Correia

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Cimeira de Copenhaga

Cimeira de Copenhaga: que esperar? Muitas expectativas e boas intenções! Resultados insignificantes. Não creio que os países ricos estejam dispostos a reduzir o consumo - ainda que sem necessidade de comprometer o conforto e o bem-estar - para que os países pobres possam proporcionar melhor qualidade de vida aos seus povos. Tendo o países pobres ou em vias de desenvolvimento direito a ter oportunidade de adquirir bens de consumo de primeira necessidade só através da lei dos vasos comunicantes - uns diminuem o consumo para que outros possam aumentar - se poderá encontrar o desejado equilíbrio.
Mas confiemos dando o benefício da dúvida, apesar dos dirigentes políticos merecerem pouca confiança.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Dúvida

"o homem não nasceu para trabalhar mas para criar", disse o mestre Agostinho da Silva. Eu quero acreditar mas olhando para esta organização social que criamos e alimentamos fico cheio de interrogações. Será mesmo verdade?
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Debate Par(a)lamentar

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Debate quinzenal no Parlamento: um NOJO! Como português senti vergonha pela actuação dos líderes políticos sem excepção! O país tem problemas gravíssimos para resolver, como o desemprego, e os deputados fazem um espectáculo degradante. Apesar do lamento, sinto algum conforto já que me ajuda a justificar o meu anarquismo inofensivo. Sempre ouvi dizer que o poder corrompe, mas parece que também estupidifica!

Porque será que a Política, uma arte tão nobre, está entregue a gentinha tão reles? Há excepções, felizmente, mas são tão poucas que é confrangedor ouvir os parlamentares e os governantes! Tenho receio que os bons sejam influenciados pelos medíocres para terem o mesmo tempo de antena!...

Neste mundo global estaremos condenados a ser governados por Cínicos, Incompetentes e Corruptos?

Veremos o que o seremos capazes de fazer pelo futuro!
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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Que futuro?

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Sou de uma geração que acreditava ser capaz de tornar as utopias realidade. Que acreditava ser capaz de construir um mundo socialmente mais justo! 40 anos depois vejo a merda que fizemos!
Para mim, mais grave que a Operação Face Oculta (Freeport ou Furacão) é a Operação Falhanço, da Justiça! Face a este cenário degradante, qual a força política ou órgão de soberania capaz de atirar a primeira pedra?
Ao longo dos anos aprendi, entre muitas outras coisas, que o apelo do TER é mais forte que o apelo do SER. E quando o TER prevalece temos esta sociedade da economia do vale tudo - um viveiro de sacanas, alguns bem barbeados e melhor engravatados!
Optimista incorrigível, continuo a acreditar que as novas gerações renovarão as utopias.
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domingo, 22 de novembro de 2009

Que exemplo?

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“EDP investe 4 mil milhões de dólares em parques eólicos” nos EUA. Fico orgulhoso com esta iniciativa da EDP. Mas uma dúvida enevoa meu espírito: andando Portugal a mendigar investimento estrangeiro, não seria preferível a EDP investir os 4 mil milhões de dólares em Portugal, criando 5 mil empregos, contribuindo quer para o desenvolvimento social e económico do país quer para reduzir a produção de energia com recurso a combustíveis fosseis?
- É a globalização, estúpido!, dizem-me sorridentes os grandes gestores.
Não será, antes, uma economia de interesses e uma feira de vaidades?
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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Empresas socialmente responsáveis?

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As empresas socialmente responsáveis parecem estar na moda. A maioria das grandes empresas mostra-se preocupada com os mais desfavorecidos e com uma redução das desigualdades sociais. Autenticidade ou estratégia de markting?
Penso que há de tudo, mas estou de acordo com Muhammad Yunus (o chamado "banqueiro dos pobres") quando diz: "alguns líderes empresariais utilizam o conceito (responsabilidade social empresarial) para obterem benefícios em proveito dos seus negócios. A sua filosofia parece ser. ganhar tanto dinheiro quanto possível, mesmo que tenham de explorar os pobres - e depois doam uma pequeníssima parte dos lucros a causas sociais ou criam um fundação com objectivos que ajudam a promover os negócios da empresa. Em seguida, aprovam ainda uma grande campanha de publicidade para mostrar quão são generosos!
Para estas empresas a RSE será sempre uma mera fachada. Em alguns casos, a mesma empresa que despende um cêntimo com causas sociais gasta 99 cêntimos em projectos lucrativos que agravam as desigualdades sociais".
Claro que há gestores de empresas honestamente interessados em promover a igualdade social, resta-nos saber distinguir o trigo do joio e denunciar os aldabrões!

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Liberdade de opinião

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Num Portugal cada vez mais amorfo, as polémicas são salutares. No entanto, esta polémica com Saramago parece-me artificial. Um dos nossos melhores escritores, desde há muito ateu assumido, limitou-se a emitir a sua legítima opinião sobre o conteúdo da bíblia. Os crentes têm opinião divergente e continuarão a defender como positivo o conteúdo da bíblia mesmo que nunca a tenham lido; os ateus ou agnósticos tenderão a concordar com Saramago. Qual o problema? Todos terão a sua razão!

Tanto barulho para quê, se o País se debate com problemas mais gravíssimos, como o aumento de desemprego e das desigualdades sociais, que merecem discussão atenta e solução urgente.
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domingo, 11 de outubro de 2009

anarquista graças a deus!

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Os resultados eleitorais autárquicos reforçam a ideia que tudo seria diferente se, a exemplo da chamada Direita, a chamada Esquerda tivesse feito o mesmo número de coligações. Mas os líderes da Esquerda continuam míopes e egocêntricos! Espero que no futuro tenham mais bom senso e encontrem plataformas mínimas de convergência em favor das populações!

Eu, que analiso e escolho as propostas concretas que na minha opinião melhor servem o país independentemente de quem a s faz, continuo anarquista inofensivo graças a deus!
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Clones!

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Ao deparar com a candidatura às eleições autárquicas de muitos candidatos eleitos no domingo passado para a Assembleia da República, apesar de ficar não surpreendido fico enojado. Será que os partidos não tem mais militantes credíveis e apenas apresentam pessoas mediáticas para ganhar as eleições e depois substituem-nas por outras menos mediáticas e que não foram sufragadas pelos eleitores! Esta prática poderá contribui seriamente para o aumento da abstenção. A não ser que os partidos considerem não ter possibilidade de ganhar as referidas câmaras mas apenas disputar um lugar na vereação, o que não sendo incompatível com o ser-se deputado à AR não deixa ser um comportamento que pode defraudar os eleitores.
Confesso que gostaria de votar nas autárquicas e não sentir o desconforto de ter votado em alguém que não pretende ocupar plenamente as suas responsabilidades ou os seus compromissos com os eleitores!
Não acreditando no dom da ubiquidade, a única certeza é não votar em clones!
A dignificação da política e o país exige urgente alterações da lei eleitoral, proibindo "duplo emprego" na política!
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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

EDP solidária

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Foi com satisfação que li a notícia que a EDP vai fornecer energia eléctrica, através de instalação de painéis solares, ao campo de refugiados de Kakuma, no Quénia, onde cerca de 50 mil pessoas vivem nas condições mais miseráveis, criando condições para romper o ciclo de pobreza.
Penso que este exemplo de responsabilidade social, de uma das maiores empresas portuguesas, merece ser reconhecido e que deve orgulhar Portugal e os portugueses.

"A Fundação EDP vai lançar um grande projecto de responsabilidade social no campo de refugiados da ONU de Kakuma, no noroeste do Quénia (distrito de Turkana), que permitirá fornecer energia solar fotovoltaica e eólica à totalidade da população do campo, estimada em mais de 50 mil pessoas.
O Projecto Kakuma, que arrancará em Janeiro de 2010, pretende quebrar o ciclo de pobreza dos refugiados e promover o desenvolvimento sustentável através de uma actuação integrada em todas as frentes: energia para cozinhar (fogões solares) e luz eléctrica para as famílias, iluminação das ruas, abastecimento e purificação de água, energia para os edifícios públicos (escolas, hospitais), empreendedorismo social, agricultura caseira e reflorestação de uma área de 10 hectares. E deverá envolver diversos ONG locais.
Thomas Mukoya/ReutersAntónio Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, considera que "este projecto é inovador em termos de abastecimento de energia e de sustentabilidade ambiental", acrescentando que "as alterações climáticas são hoje um factor de deslocação forçada de populações, pelo que a capacidade de enfrentar essas alterações passa também por resolver o problema dos refugiados". António Mexia, presidente da EDP, revela por sua vez que a experiência de Kakuma, onde a empresa vai investir 1,3 milhões de euros, "poderá vir a ser replicada em cada um dos 152 campos de refugiados geridos pela ONU em todo o mundo".
Estima-se que a concretização do projecto evite a emissão de 1755 toneladas por ano de gases com efeito de estufa, que hoje são lançados para a atmosfera devido ao uso intensivo de lenha para cozinhar em Kakuma (15 toneladas por dia ou 1,5 kg por família) e aos geradores eléctricos a fuel que abastecem os edifícios públicos.
A população de refugiados é maioritariamente constituída por sudaneses fugidos da guerra no Darfur (51%) e somalis (36%), havendo ainda deslocados da Etiópia, Ruanda, Burundi, Congo, Uganda, Eritreia e Namíbia. A sua presença em Kakuma está a tornar-se insustentável em termos ambientais, devido ao esgotamento de aquíferos subterrâneos e à desflorestação provocada pelo consumo de lenha. E gera fortes tensões com a população local - os turkanas - no acesso aos recursos naturais. Com o avanço do deserto, a população do campo só encontra lenha a 50 a 100 km de distância, e esta tarefa é feita pelas mulheres, que têm de enfrentar elevadas temperaturas e ameaças acrescidas de violência sexual.
As carências de energia nos edifícios públicos são grandes. Nos três hospitais do campo só há electricidade num máximo de cinco horas por dia e nas escolas, a falta de iluminação provoca insegurança, abandono escolar (em particular entre as raparigas) e dificuldades em atrair e reter professores e pessoal qualificado. E a bombagem de água dos aquíferos por geradores a diesel sai muito cara à ONU e às ONG.
António Mexia sublinha que o Projecto Kakuma "é uma oportunidade para os refugiados exercerem um direito fundamental, o acesso à energia, e acabarem com o ciclo de pobreza". E para as Nações Unidas, é a possibilidade "de testar um conceito inovador que permite integrar os refugiados de uma forma sustentável e reduzir os custos operacionais da organização".
Com efeito, o acesso generalizado à energia irá permitir a criação de pequenos negócios e de empregos num campo onde a esmagadora maioria dos adultos depende inteiramente da ajuda humanitária. Daí que um dos dez projectos incluídos nesta iniciativa da EDP seja precisamente o empreendedorismo social. Na mesma linha se situa o projecto de agricultura caseira, que deverá envolver duas mil famílias e a plantação de árvores de fruto, legumes e 100 mil árvores por ano, bem como a instalação de sistemas de irrigação.
O Projecto Kakuma foi esta semana apresentado por António Mexia em Nova Iorque no grande encontro anual da Clinton Global Initiative, uma iniciativa promovida pela Fundação Clinton destinada a desenvolver soluções inovadoras para os principais problemas mundiais, como a pobreza, as alterações climáticas, a saúde e a educação. O evento, onde participaram 60 antigos ou actuais chefes de Estado, 500 líderes das maiores empresas do mundo e 400 dirigentes de ONG, decorreu sob fortes medidas de segurança e foi aberto pelo Presidente Obama e por Bill Clinton, sendo encerrado pela sua mulher, Hillary, secretária de Estado norte-americana."
in expresso online

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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

E agora, Portugal?

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Pelas declarações dos dirigentes partidários fica-nos uma certezaVerificação ortográfica: todos os partidos com representação parlamentar ganharam, alguns de forma inequívoca.
Olhando para os resultados eleitorais fico com uma certeza diferente: o País perdeu! E receio que venhamos a ter mais uns anos de penúria e instabilidade com reflexo na vida das pessoas mais carenciadas, particularmente os jovens, os idosos e as pessoas com pouca formação profissional que se tornarão empregados de longa duração sem esperança, com excepção daqueles que são clientes fieis dos partidos da área do poder.
Quanto a uma alternativa de esquerda, haja lucidez! A recente campanha eleitoral demonstrou, parafraseando Eduardo Lourenço, que “não há nenhuma Esquerda em Portugal que possa ser sujeito de um projecto político, económico e social com aquele mínimo de coerência e de credibilidade capaz de encarnar duradoiramente uma solução viável para a vida nacional.”
Mas optimista por natureza, quero acreditar que a inteligência, o rigor e o bom senso regressarão algum dia à política!
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terça-feira, 22 de setembro de 2009

Casa das histórias

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Aproveitando a gratuitidade dos transportes, neste "dia sem carros", apanhei o comboio para Cascais para visitar a Casa das Histórias-Paula Rego.

Um edifício lindíssimo de autoria do arquitecto Souto Moura alberga uma exposição soberba de Paula Rego.

Só esta pintora tem sensibilidade e arte para tornar belo o grotesco! O traço rude das nossas gentes e as suas histórias ancestrais assumem um ar sublime nas suas pinturas!

Obrigado Paula, pela oportunidade de deslumbramento que nos oferece!

Para os mais curiosos, aqui fica endereço do sitio para uma visita virtual que poderá servir de aperitivo para dar um salto a Cascais!

http://www.casadashistoriaspaularego.com/index_pt.html#/home/
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Asfixia democrática?

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Tanta parra para tão pouca uva, quando se apela à politica de verdade.
Cavaco Silva, com o seu ar sempre tão austero e impoluto, qual pretensa reserva moral da República, ao permitir e alimentar a mentira sobre as escutas telefónicas na Presidência parece dar alguns sinais que não pretende ser o Presidente de todos os Portugueses!...
Afinal a "política de verdade" também tem muitos fariseus...
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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Portugal, que futuro?

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A proliferação de tanto escriva e comentador naif do quotidiano, aliado a algum desencanto têm convidado ao silêncio e a um saborear a vida de forma discreta.
Porém, em época de campanha eleitoral, onde a mentira, a intriga e a manipulação vão sendo estrelas, não resisto convidar-vos à leitura das reflexões de Medina Carreira, tendo o cuidado de refrear o seu pessimismo por vezes doentio, no livro "Portugal, que futuro"! E como aliciante, transcrevo pequeno parágrafo da introdução:
"A conquista democrática do poder é o único meio legítimo para concretizar os princípios e defender os valores essenciais de uma concepção ideológica sobre a organização social.
"Desde logo, a qualidade dos meios humanos para levar a cabo essa conquista ou para fiscalizar e criticar a força que a consiga, é fundamental: os partidos devem os escolher e atrair os mais competentes, os mais honestos, os mais rigorosos, os mais dedicados e os mais respeitados elementos da sociedade.
"Os métodos para a ascensão ao exercício do poder político devem privilegiar a verdade, a clareza, o rigor e o respeito pela possibilidade de cumprimento integral dos compromissos assumidos: não servem estes objectivos os programas eleitorais extensos, para não serem lidos; confusos para servirem todas as interpretações.."
Olhando para alguns dos candidatos tenho a certeza, pelo seu passado, que não são os mais honestos nem os mais respeitados, dando a competência de barato.
E à pergunta "Portugal, que futuro?" apenas sou capaz de responder com o título de um filme de Rivette: "Sabe-se Lá"!
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segunda-feira, 27 de julho de 2009

"Um país sem regras"

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Após mais de um mês de ausência - apenas por preguiça, perdido a saborear os pequenos nadas que a vida me oferece: flanar e sentir o cheiro dos bairros de Lisboa, ler e ouvir música, almoçar com amigos, vagabundear pelas exposições e manter o espírito atento numa ou noutra conferência - eis-me de volta quando a alegre campanha eleitoral começa a querer poluir o nosso quotidiano. Quando o país precisa de seriedade e bom senso, de definir uma linha de rumo que traga a esperança aos portugueses, os nossos políticos perdem o seu tempo em pequenas guerrilhas que possam salvaguardar as suas mordomias, adiando decisões e o país com mais diagnósticos, sabendo que a nossa curta memória dificilmente os responsabilizará pelo estado lastimável da nação.
Inquieto e preocupado, relembro algumas palavras de Amin Maalouf, que no sublime ensaio “um mundo sem regras”, nos diz:

…”O futuro não está escrito de antemão, é a nós que compete escrevê-lo, concebê-lo, construí-lo - com audácia, porque é preciso ousar romper com os hábitos seculares; com generosidade, porque é preciso unir, tranquilizar, ouvir, incluir, partilhar; e acima de tudo sensatez. É a tarefa que incube aos nossos contemporâneos, homens e mulheres de todas as origens e eles não têm outras alternativa senão assumi-lo.
“Quando u país está mergulhado no marasmo, pode sempre tentar-se emigrar; quando o planeta está ameaçado, não existe a opção de ir viver algures. Se não queremos resignarmo-nos à regressão, tanto para nós próprios como para as gerações vindouras, devemos tentar inflectir o rumo das coisas”.


Se é importante escolher com base em propostas concretas e não em promessas vãs, também é relevante escolher pessoas sérias e com espírito de servir o país. Tendo dúvidas que o povo seja tão sábio como o pintam (a maioria de nós não sabe olhar para além do seu umbigo, tratar da sua vidinha), mas acredito que ainda consiga discutir o futuro.
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segunda-feira, 22 de junho de 2009

A humildade não passa por ali!

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Acompanhei a entrevista do Sócrates e confesso que fiquei preocupado. Apesar de parecer mais "manso", tipo Madalena arrependida - influência dos técnicos fazedores de imagem - parece que o homem não aprendeu nada e, por este caminho, vai apanhar um banho gelado nas próximas eleições. Na minha modesta opinião, o PS perdeu as eleições porque, para lá de opções políticas polémicas, foi incapaz de dialogar com as forças sociais, convencido que a razão estava sempre do seu lado. Teve imensos tiques de autoritarismo, fazendo lembrar o Cavaco da maioria absoluta! Tenho dúvidas que a focalização no centro traga bons ventos! Vamos ver se o homem ainda tem capacidade para conseguir vencer esta maré negra! O que poderá ser dramático, porque a alternativa de poder pode tornar o país num BPN!
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terça-feira, 16 de junho de 2009

Por favor respeitem o Martim!

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Uma mãe é obrigada a recorrer a greve da fome para recuperar o filho! Espanta-me que num País que considera a família a base essencial da sociedade, haja um juiz (também perturbado, segundo parece) que rouba o Martim à mãe e o dá para adopção. Que merda de justiça esta? Os juízes perderam definitivamente o juízo? E não há ninguém com bom senso (Igreja Católica, IAC ou Refúgio Aboim Ascensão, que parecem querer justificar a sua existência com a desgraça alheia!...) que defenda a criação de condições para a entrega do Martim à mãe, que deverá ser acompanhada por técnicas da Segurança Social ou pela até agora inócua Comissão de Protecção de Menores.
Este caso parece confirmar que os Tribunais de Família também estão perto da insanidade mental e os seus erros judiciais continuam a condenar outras crianças perante o silêncio cúmplice de tantos responsáveis.
É urgente garantir um cuidado e intensivo apoio a famílias disfuncionais para que possam ter condições psicológicas e sócio-económicas para cuidar dos seus filhos. É urgente garantir os direitos de cada criança!
Será difícil ter um pouco de sabedoria para decidir com bom senso?
Por favor, respeitem o Martim!
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Pelo exemplo é que vamos!...

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Apesar de alérgico aos dias de "Qualquer Coisa", por me parecerem ora um artifício para aliviar consciências ora uma oportunidade comercial para explorar gente bem intencionada; apesar de ignorar os discursos alusivos a esses dias por superficiais e, por vezes, hipócritas, gostei de ler a intervenção de António Barreto nas comemorações do 10 de Junho último, que não resisto transcrever a parte que considero mais significativa:

"...Não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como exemplos. Porque o exemplo tem efeitos mais duráveis do que qualquer ensino voluntarista.
Pela justiça e pela tolerância, os portugueses precisam mais de exemplo do que de lições morais.
Pela honestidade e contra a corrupção, os portugueses necessitam de exemplo, bem mais do que de sermões.
Pela eficácia, pela pontualidade, pelo atendimento público e pela civilidade dos costumes, os
portugueses serão mais sensíveis ao exemplo do que à ameaça ou ao desprezo.
Pela liberdade e pelo respeito devido aos outros, os portugueses aprenderão mais com o exemplo do que com declarações solenes.
Contra a decadência moral e cívica, os portugueses terão mais a ganhar com o exemplo do que com discursos pomposos.
Pela recompensa ao mérito e a punição do favoritismo, os portugueses seguirão o exemplo com mais elevado sentido de justiça.
Mais do que tudo, os portugueses precisam de exemplo. Exemplo dos seus maiores e dos seus
melhores. O exemplo dos seus heróis, mas também dos seus dirigentes. Dos afortunados, cujas
responsabilidades deveriam ultrapassar os limites da sua fortuna. Dos sabedores, cuja primeira preocupação deveria ser a de divulgar o seu saber. Dos poderosos, que deveriam olhar mais para quem lhes deu o poder. Dos que têm mais responsabilidades, cujo "ethos" deveria ser o de servir.
Dê-se o exemplo e esse gesto será fértil! Não vale a pena, para usar uma frase feita, dar "sinais de esperança" ou "mensagens de confiança". Quem assim age, tem apenas a fórmula e a retórica. Dê-se o exemplo de um poder firme, mas flexível, e a democracia melhorará. Dê-se o exemplo de honestidade e verdade, e a corrupção diminuirá. Dê-se o exemplo de tratamento humano e justo e a crispação reduzir-se-á. Dê-se o exemplo de trabalho, de poupança e de investimento e a economia sentirá os seus efeitos.
Políticos, empresários, sindicalistas e funcionários: tenham consciência de que, em tempos de
excesso de informação e de propaganda, as vossas palavras são cada vez mais vazias e inúteis e de que o vosso exemplo é cada vez mais decisivo. Se tiverem consideração por quem trabalha, poderão melhor atravessar as crises. Se forem verdadeiros, serão respeitados, mesmo em tempos difíceis.
Em momentos de crise económica, de abaixamento dos critérios morais no exercício de funções empresariais ou políticas, o bom exemplo pode ser a chave, não para as soluções milagrosas, mas para o esforço de recuperação do país."


Obrigado António, por este momento de lucidez (não há dúvida que a idade por vezes torna as pessoas mais sábias!)

Para os interessados em conhecer o discursos completo, aqui fica o caminho:

http://static.publico.clix.pt/docs/politica/antonio_barreto_10062009.pdf
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domingo, 14 de junho de 2009

É tempo!...

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Terminadas as eleições europeias e afiadas as facas os para novos circos eleitorais, vou perguntando que tempo é este (e salta-me à memória o poema da sempre presente Sophia):

Data

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo da ameaça

Eu diria que é tempo de reflexão e de mudança, que é tempo fazer uma barrela política, dando prioridade política a pessoas honestas, que ainda privilegiam o interesse dos cidadãos!
É tempo bloquear o acesso dos ladrões, dos mentirosos (que tanto prometem nas campanhas eleitorais e nunca cumprem quando Governo), dos arrogantes e dos medíocres a cargos de responsabilidade política!
É tempo de rigor e de decência, que nos façam acreditar em Portugal!
É tempo de ter memória e e agir!

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Eleições europeias!

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A campanha eleitoral está na fase final! Há um mês atrás ainda tinha dúvidas sobre a utilidade do meu voto. Ouvindo o circo político-partidário e a ausência de propostas dos candidatos fiquei com uma certeza: o meu voto não serve para nada, a não ser para dar credibilidade às eleições diminuindo a abstenção. Se houvesse interesse em ouvir a minha opinião como cidadão tinham-me dado oportunidade de referendar o Tratado de Lisboa.
Fiquei com a certeza que o Parlamento Europeu não tem qualquer utilidade para a Europa e para os cidadãos. Conversas da treta, como diriam dois actores da nossa praça que prezo!
Depois, uma União Europeia novamente com Durão Barroso como presidente não me seduz nem merece a minha confiança. A sua incompetência ficou patente, como se vê pelo estado débil da Europa. O cheiro bafiento do seu neo-liberalismo e a sua hipocrisia política causa-me náuseas!
Por isso, estes dirigentes e esta Europa, não obrigado!
Contem com o meu voto nas eleições legislativas e nas autárquicas!

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Juiz do caso Alexandra perturbado!

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Um juiz perturbado que condena uma criança impunemente é grave! Mais grave ainda é a confirmação da justiça continuar fortemente perturbada, perto da insanidade mental, num país que parece ter perdido o juízo. Para a semana já ninguém se lembrará da burrice judicial que condenou a pobre da Alexandra e outros juízes perturbados cometerão novos erros judiciais que continuarão a condenar outras crianças perante o silêncio de uma ineficiente e burocrática Comissão de Protecção de Menores.
É urgente garantir os direitos de cada criança, repensar que a família biológica, apesar de ser o núcleo familiar mais natural nem sempre é a opção mais certa.
É urgente garantir um cuidado e intensivo apoio a famílias disfuncionais para que possam ter condições psicológicas e sócio-económicas para cuidar dos seus filhos.
É urgente mudar o paradigma e reconhecer que o cerne da família é o amor e o afecto, sendo os laços de sangue um suporte demasiado frágil e muitas vezes fortuito para ser tornado lei.
Será difícil encontrar um pouco de sabedoria e de bom senso num país com tantas personalidades sapientes?

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Crise? Para quem?

As revistas semanais de hoje referem os salários de alguns gestores quer da banca quer de empresas onde o Estado é o maior accionista. Salários acima de um milhão de euros por ano! Devem ser uns gestores brilhantes, pensei com ironia! Reflecti melhor, pois não queria estar a olhar para um bando de malfeitores, pois um deles até considerava demagogia falar dos seus chorudos salários. Li e reli perplexo! Afinal todos são ora banqueiros (a quem o Estado acaba de evitar que se afoguem na crise que atingiu a banca) ora gestores de empresas que têm o monopólio do sector em que actuam. Qual a virtude de ter bons resultados, nestas condições? E será que justificam vencimentos tão escandalosos, quando o número de desempregados não cessa de aumentar sem que mexam um dedo para atenuar este flagelo?
Começo a compreender porque temos o crédito mais caro, a energia eléctrica e o combustível mais caros, o acesso à internet mais caro e outros bens com preços pouco competitivos - fraca produtividade de quem trabalha, porque quem gere é iluminado! Mercenários competentes tomaram conta da gestão das empresas perante a apatia dos governantes, que ora estão no Governo da Nação ora estão como Gestores (mentes) Brilhantes!
Compreendo, também, que considerem como inveja qualquer crítica a este estado de coisas, que é no mínimo chocante! Se ao menos fossem empresários de sucesso! Espero que não sejam apenas mais uns mercenários bem sucedidos, tornando estas notícias uma versão moderna do Ali Bábá, como ilustrada pelos casos BNP e BPP, também com gestores de excelência, merecida e generosamente remunerados.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Pai Américo


Como “gaiato” (antigo, dizem uns, sempre “gaiato” afirmo eu), orgulhoso do meu humilde percurso pessoal e profissional, falar sobre Pai Américo sempre me foi muito difícil. Das várias razões de dificuldade, destaco:
- os muitos estudos, profundos e interessantes, sobre Pai Américo e a nossa Obra da Rua, de que me merece particular referência pelo seu pioneirismo (sem desprimor para todos os outros) a tese de doutoramento, em Louvaina mui saudoso professor João Evangelista Loureiro, grande amigo da nossa Obra;
- outra razão, mais intimista: não me é fácil, como filho, ser isento e imparcial, nem me interessa muito o impacto de Pai Américo na sociedade quando comparo o impacto que teve na minha vida e na de muitos gaiatos - sabendo que sem a Casa do Gaiato não seria o homem que hoje sou mas, eventualmente um reputado delinquente.

E para iniciar a referência à importância de Pai Américo na sociedade do seu tempo, nada melhor que relembrar o recente testemunho do professor Albano Estrela, iminente pedagogo, hoje com 76 anos (que foi Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa) que quanto à descoberta da sua vocação, referiu:

”Não sei com precisão quando comecei a interessar-me pelas coisas da Educação, mas creio que foi na minha adolescência, ao ouvir duas pregações em igreja do Porto. Autor das pregações: o Padre Américo. A força das suas palavras alertou-me para dois problemas: a obrigação que todos temos de participar na educação do nosso semelhante e as enormes potencialidades que existem em cada criança, em cada jovem, potencialidades que cumpre ao educador fazer emergir.”

A influência de Pai Américo na descoberta desta brilhante vocação evidencia o autêntico vendaval de amor e dedicação aos mais carenciados que agitaria as consciências de futuros educadores, de quem se tornaria uma referência pedagógica apontando novos caminhos.

Denunciando publicamente, em igrejas e salas de espectáculos, as injustiças sociais, a desigualdade e indiferença de muitos, a falta de assistência aos doentes e a promiscuidade de muitas famílias, a sua palavra penetrava nas almas sedentas de justiça.

Numa sociedade dilacerada pela fome e pela miséria, progenitoras da marginalidade e da delinquência, Pai Américo foi o exemplo da opção franciscana de combate à exclusão social das “crianças e jovens mais desfavorecidos e mais desfigurados na sua dignidade humana, vítimas de tantos atropelos”.

Pai Américo foi um homem generoso que vivendo e lutando por um ideal cristão despoletou mais paixões que ódios. Foi um acérrimo defensor dos mais desfavorecidos, num regime que não via com bons olhos os que com veemência estavam empenhados no combate à miséria e a injustiça. Foi, como referiu Helena de Sousa Pereira, uma “figura ímpar pela luz que derramou em época sombria …”

Ou foi apenas, como próprio se definiu “um revolucionário pacífico, um pobre que sangra, um pai que chora, um português que ama!"

Pai Américo foi igualmente o pioneiro de uma inovadora pedagogia, alicerçada na auto-educação e na co-responsabilização como caminho seguro para um bom trabalho educativo. Uma pedagogia que tem por base a mais elementar célula social: a família. E de facto, é uma família – com as virtudes e as fraquezas de qualquer família numerosa – que Pai Américo oferece às crianças abandonadas, às “crianças mais repelentes, mais difíceis e maus viciosas”, que conhecem o sofrimento e o sabor amargo da miséria. Uma família assente numa filosofia aparentemente muito simples, em alternativa ao asilo, ao reformatório ou à colónia penal.

O próprio Pai Américo resumiu o seu método educativo deste modo: "simplicidade, família, amor, respiração contra respiração, contacto com a vida, tudo junto com a formação espiritual e nada mais”.

Num ambiente naturalmente singelo são incutidos aos então “vadios da rua” valores éticos e princípios de vida cada vez mais ignorados – solidariedade, justiça social, liberdade na responsabilidade, entre outros, permitindo transformar “o lixo da rua” em pessoas de bem, que sentem orgulho em afirmar que muito do que são o devem ao facto de terem sido "gaiatos"!

E os gaiatos compreendem que a cidade do Porto tivesse ficado "em estado de choque emocional" com a sua morte, segundo as palavras do jornalista Ramos de Almeida, publicadas no "Jornal de Notícias" de 19 de Julho de 1956, logo após o funeral de Pai Américo. E compreendem, melhor que ninguém, o forte sentimento de pesar que se apoderou da população do Porto ao ter conhecimento do acidente de automóvel que roubou a vida a Pai Américo e que deixou perplexo o citado jornalista que afirmou não saber “mesmo se em toda a sua história o povo do Porto jamais chorou com tanta espontaneidade a morte de um homem”.

E relembro uma vez mais que a Casa do Gaiato ajudou a fazer de mim um homem de corpo inteiro, inquieto e contraditório, atento aos problemas sociais, com o gosto pela cultura e com um humor quase perverso de encarar a vida. Como compreendem a Casa do Gaiato não fez tudo pelo que hoje sou, mas "preparou a terra, lançou e cuidou da semente..."

E Pai Américo, que dedicou a sua vida à realização do seu sonho - “fazer de cada gaiato um Homem!” - continua a ser para mim a principal referência ética e pedagógica. E, como seu filho, serei sempre um defensor intransigente da sua Obra e do seu património pedagógico.

terça-feira, 31 de março de 2009

Grito de equidade!

Crise?! Recessão?! Nos anos quarenta Pai Américo clamava por justiça social. O enxerto de texto abaixo poderia ter sido escrito nestes tempos socráticos:

"(...) a ordem social exige que todos quantos têm rendimentos se obriguem, em consciência, a gastá-los bem, com economia, na roda do ano: distribuir, auxiliar, contribuir, dar aos que se não podem bastar.
E este mínimo de coisas todos têm obrigação de compreender e de praticar. Porque é verdadeiramente criminoso todo aquele senhor que ao capital que rende vai juntar os juros desse mesmo capital.
Amarrar assim, de pés e mãos, o direito das classes pobres ao pão-nosso-de-cada-dia, é semear no seio delas: lágrimas, fome, miséria e, por fim, desespero."

Pai Américo: Pão do Pobres, 1º volume

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Efeméride

Domingo, 8 de Fevereiro. Fazia 50 anos que entrei para a Casa do Gaiato. Era uma efeméride que merecia ser discretamente festejada mas vivamente saboreada.
Estava uma manhã chuvosa e enevoada, contrastando com a luminosidade da minha alma, quando acompanhado de minha mulher e de nossa filha, família constituída há mais de 30 anos, subi emocionado a avenida, ainda deserta, da Casa do Gaiato, em Paço de Sousa. Com o coração inundado de gratidão, rumei à capela e recolhi-me por breves momentos junto à campa de Pai Américo. O simbolismo de lhe agradecer pessoalmente o cidadão que sou, continua a ser sempre um dever moral. Mas nesse dia chuvoso de Fevereiro tinha outro sabor. O tornar-me gaiato mudou decisivamente o rumo da minha vida. Uma drástica mudança, num rapaz traquina, franzino e de olhar vivo, que deixou o casebre em que vivia, na companhia de um velho casal de mendigos, numa “ilha” miserável das ruas do Porto. Ganhava o direito a sonhar a certeza de uma vida saudável, cortando o cordão umbilical com a miséria física e moral. E ganhei uma família. Uma família diferente de todas as outras, é verdade, mas uma família onde o carinho e o afecto são uma realidade. Uma família constituída por rapazes abandonados ou socialmente definidos como “os mais repelentes”, como dizia Pai Américo, a quem o futuro não oferecia nada de bom. Uma família tão diferente, que ainda hoje confunde políticos e juristas que fazem e aplicam leis tontas, desconhecendo que o cerne da família é o amor e o afecto, sendo os laços de sangue um suporte demasiado frágil e muitas vezes fortuito para ser tornado lei. Ainda hoje, é com alguns gaiatos de então, a que trato por “mano”, que tenho um convívio frequente e solidário e não com os irmãos de sangue (ainda que filhos da mesma mãe e cada um filho de seu pai) que me são desconhecidos emocionalmente.
Um passeio vagaroso pela aldeia, com a comunidade ainda a despertar, sob a chuva miudinha que se associava à minha alegria, qual gotas de champanhe borbulhando, a rememorar os afectos e os factos mais relevantes de uma vida de 15 anos na Casa do Gaiato.
Hora da missa. Os rapazes vão chegando ao cruzeiro frente à capela. Abraços e troca de memórias com outros gaiatos do meu tempo, que envelheceram como continuadores da Obra, confirmando o desejo do fundador, “Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes”.
A capela cheia. Mais que uma liturgia, a missa sempre foi um acto comunitário, uma reunião de família, onde todos devíamos estar presentes. Um acto a que, como gaiato, assisti despojado de constrangimentos. Apesar de agnóstico, aceitei o generoso convite para fazer a primeira leitura da missa de domingo. Um texto lindo e intemporal do livro de Job, muito a propósito, exigindo uma reflexão sobre o sentido da vida.
Terminada a missa, um “até depois” e o regresso a Lisboa, com a alma mais limpa e o coração com um bater mais leve. E com a certeza que continuarei sempre gaiato e que defenderei com toda a lucidez e energia a Obra de Pai Américo, a minha família, dos seus detractores por melhores que sejam as suas ignotas intenções.