quarta-feira, 29 de abril de 2009

Crise? Para quem?

As revistas semanais de hoje referem os salários de alguns gestores quer da banca quer de empresas onde o Estado é o maior accionista. Salários acima de um milhão de euros por ano! Devem ser uns gestores brilhantes, pensei com ironia! Reflecti melhor, pois não queria estar a olhar para um bando de malfeitores, pois um deles até considerava demagogia falar dos seus chorudos salários. Li e reli perplexo! Afinal todos são ora banqueiros (a quem o Estado acaba de evitar que se afoguem na crise que atingiu a banca) ora gestores de empresas que têm o monopólio do sector em que actuam. Qual a virtude de ter bons resultados, nestas condições? E será que justificam vencimentos tão escandalosos, quando o número de desempregados não cessa de aumentar sem que mexam um dedo para atenuar este flagelo?
Começo a compreender porque temos o crédito mais caro, a energia eléctrica e o combustível mais caros, o acesso à internet mais caro e outros bens com preços pouco competitivos - fraca produtividade de quem trabalha, porque quem gere é iluminado! Mercenários competentes tomaram conta da gestão das empresas perante a apatia dos governantes, que ora estão no Governo da Nação ora estão como Gestores (mentes) Brilhantes!
Compreendo, também, que considerem como inveja qualquer crítica a este estado de coisas, que é no mínimo chocante! Se ao menos fossem empresários de sucesso! Espero que não sejam apenas mais uns mercenários bem sucedidos, tornando estas notícias uma versão moderna do Ali Bábá, como ilustrada pelos casos BNP e BPP, também com gestores de excelência, merecida e generosamente remunerados.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Pai Américo


Como “gaiato” (antigo, dizem uns, sempre “gaiato” afirmo eu), orgulhoso do meu humilde percurso pessoal e profissional, falar sobre Pai Américo sempre me foi muito difícil. Das várias razões de dificuldade, destaco:
- os muitos estudos, profundos e interessantes, sobre Pai Américo e a nossa Obra da Rua, de que me merece particular referência pelo seu pioneirismo (sem desprimor para todos os outros) a tese de doutoramento, em Louvaina mui saudoso professor João Evangelista Loureiro, grande amigo da nossa Obra;
- outra razão, mais intimista: não me é fácil, como filho, ser isento e imparcial, nem me interessa muito o impacto de Pai Américo na sociedade quando comparo o impacto que teve na minha vida e na de muitos gaiatos - sabendo que sem a Casa do Gaiato não seria o homem que hoje sou mas, eventualmente um reputado delinquente.

E para iniciar a referência à importância de Pai Américo na sociedade do seu tempo, nada melhor que relembrar o recente testemunho do professor Albano Estrela, iminente pedagogo, hoje com 76 anos (que foi Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa) que quanto à descoberta da sua vocação, referiu:

”Não sei com precisão quando comecei a interessar-me pelas coisas da Educação, mas creio que foi na minha adolescência, ao ouvir duas pregações em igreja do Porto. Autor das pregações: o Padre Américo. A força das suas palavras alertou-me para dois problemas: a obrigação que todos temos de participar na educação do nosso semelhante e as enormes potencialidades que existem em cada criança, em cada jovem, potencialidades que cumpre ao educador fazer emergir.”

A influência de Pai Américo na descoberta desta brilhante vocação evidencia o autêntico vendaval de amor e dedicação aos mais carenciados que agitaria as consciências de futuros educadores, de quem se tornaria uma referência pedagógica apontando novos caminhos.

Denunciando publicamente, em igrejas e salas de espectáculos, as injustiças sociais, a desigualdade e indiferença de muitos, a falta de assistência aos doentes e a promiscuidade de muitas famílias, a sua palavra penetrava nas almas sedentas de justiça.

Numa sociedade dilacerada pela fome e pela miséria, progenitoras da marginalidade e da delinquência, Pai Américo foi o exemplo da opção franciscana de combate à exclusão social das “crianças e jovens mais desfavorecidos e mais desfigurados na sua dignidade humana, vítimas de tantos atropelos”.

Pai Américo foi um homem generoso que vivendo e lutando por um ideal cristão despoletou mais paixões que ódios. Foi um acérrimo defensor dos mais desfavorecidos, num regime que não via com bons olhos os que com veemência estavam empenhados no combate à miséria e a injustiça. Foi, como referiu Helena de Sousa Pereira, uma “figura ímpar pela luz que derramou em época sombria …”

Ou foi apenas, como próprio se definiu “um revolucionário pacífico, um pobre que sangra, um pai que chora, um português que ama!"

Pai Américo foi igualmente o pioneiro de uma inovadora pedagogia, alicerçada na auto-educação e na co-responsabilização como caminho seguro para um bom trabalho educativo. Uma pedagogia que tem por base a mais elementar célula social: a família. E de facto, é uma família – com as virtudes e as fraquezas de qualquer família numerosa – que Pai Américo oferece às crianças abandonadas, às “crianças mais repelentes, mais difíceis e maus viciosas”, que conhecem o sofrimento e o sabor amargo da miséria. Uma família assente numa filosofia aparentemente muito simples, em alternativa ao asilo, ao reformatório ou à colónia penal.

O próprio Pai Américo resumiu o seu método educativo deste modo: "simplicidade, família, amor, respiração contra respiração, contacto com a vida, tudo junto com a formação espiritual e nada mais”.

Num ambiente naturalmente singelo são incutidos aos então “vadios da rua” valores éticos e princípios de vida cada vez mais ignorados – solidariedade, justiça social, liberdade na responsabilidade, entre outros, permitindo transformar “o lixo da rua” em pessoas de bem, que sentem orgulho em afirmar que muito do que são o devem ao facto de terem sido "gaiatos"!

E os gaiatos compreendem que a cidade do Porto tivesse ficado "em estado de choque emocional" com a sua morte, segundo as palavras do jornalista Ramos de Almeida, publicadas no "Jornal de Notícias" de 19 de Julho de 1956, logo após o funeral de Pai Américo. E compreendem, melhor que ninguém, o forte sentimento de pesar que se apoderou da população do Porto ao ter conhecimento do acidente de automóvel que roubou a vida a Pai Américo e que deixou perplexo o citado jornalista que afirmou não saber “mesmo se em toda a sua história o povo do Porto jamais chorou com tanta espontaneidade a morte de um homem”.

E relembro uma vez mais que a Casa do Gaiato ajudou a fazer de mim um homem de corpo inteiro, inquieto e contraditório, atento aos problemas sociais, com o gosto pela cultura e com um humor quase perverso de encarar a vida. Como compreendem a Casa do Gaiato não fez tudo pelo que hoje sou, mas "preparou a terra, lançou e cuidou da semente..."

E Pai Américo, que dedicou a sua vida à realização do seu sonho - “fazer de cada gaiato um Homem!” - continua a ser para mim a principal referência ética e pedagógica. E, como seu filho, serei sempre um defensor intransigente da sua Obra e do seu património pedagógico.